Caio M.M. Azeredo Advocacia

Seguro atrasado não implica necessariamente, não pagamento da indenização

A súmula n. 616 do Superior Tribunal de Justiça preconiza que “[a] indenização securitária é devida quando ausente a comunicação prévia do segurado acerca do atraso no pagamento do prêmio, por constituir requisito essencial para a suspensão ou resolução do contrato de seguro”. A razão de ser dessa decisão está em evitar exagerada desvantagem ao segurado que atrasou os pagamentos e, assim, aplicar não só o inciso IV do art. 51, mas também o inciso III do art. 4º, ambos do Código de Defesa do Consumidor.

No Recurso Especial n. 2.160.515-SC (relatado pela Ministra Nancy Andrighi, julgado em 13 de novembro de 2024), o STJ afastou a incidência da referida súmula e modificou decisão proferida já justiça catarinense. No aresto prevaleceu a tese de que a inadimplência prolongada do segurado afasta a aplicação da súmula n. 616 e, destarte, a obrigação da seguradora de pagar a indenização, visto que a inadimplência prolongada não pode ser equiparada ao mero atraso no pagamento.

Entretanto, o decisum ponderou que o estabelecimento de critérios para aplicação ou afastamento da Súmula n. 616 era imperioso. E cabe salientar, neste ponto específico, que o STJ fez valer a regra do inciso VI do § 1º do art. 489 do CPC: “§ 1º. Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: (…) VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos”.

A Corte Superior, portanto, aplicou a técnica da distinção para justificar a não aplicação da Súmula n. 616. No dizer de Fábio Victor da Fonte Monnerat, “[à] técnica de afastamento do precedente que, sem lhe negar a autoridade, opera-se ante a inexistência de correlação dá-se o nome de distinção”. Na mesma direção, Fredie Didier Jr. et. al., “fala-se em distinguishing (ou distinguish) quando houver distinção entre o caso concreto (em julgamento) e o paradigma, seja porque não há coincidência entre os fatos fundamentais discutidos e aqueles que serviram de base à ratio decidendi (tese jurídica) constante no precedente, seja porque, a despeito de existir uma aproximação entre eles, alguma peculiaridade no caso em julgamento afasta a aplicação do precedente”.

De outro lado, poder-se-ia asseverar que a decisão em testilha aperfeiçoou os critérios para a aplicação ou afastamento da súmula indicada, visto que, segundo a fundamentação do acórdão, “não há um critério temporal fixo para admitir que a seguradora possa se recusar a pagar o prêmio mesmo sem ter realizado a prévia notificação para a constituição de mora ou para o encerramento do contrato”, motivo pelo qual “[a] dispensa da exigência de comunicação prévia ao segurado deve ser analisada casuisticamente, sendo necessário que o inadimplemento seja substancial e relevante a ponto de justificar a inaplicabilidade da Súmula 616 do STJ”. A decisão ressalva, ademais, que “a duração do período de inadimplência não pode ser o único critério a ser considerado” para aplicação do precedente.

É dentro desse contexto que o STJ, com esteio na doutrina, fixou os critérios de existência ou inexistência do chamado inadimplemento substancial quando da aplicação da Súmula n. 616. Para a Ministra Nancy Andrighi, “para concluir pelo inadimplemento substancial em contrato de seguro, imperioso verificar não apenas há quanto tempo a parte está inadimplente, mas o percentual da obrigação que foi adimplido, quando o contrato teve início, a condição pessoal do segurado, se existiram razões que justifiquem o inadimplemento e outras peculiaridades eventualmente existentes na situação sob julgamento”.

Seguindo esse caminho, o STJ entendeu que a circunstância de o segurado haver pago apenas oito parcelas, deixando vinte e três em aberto (até que se desse o sinistro), era um fator relevante para a configuração do inadimplemento substancial. Mas não só. Além disso, outros critérios foram analisados pela Corte, como o fato de ser o recorrido uma pessoa jurídica, dotada de conhecimento e organização suficientes para administrar suas obrigações, razão pela “admitir o pagamento do prêmio nessa situação significaria afastar os deveres de boa-fé que são exigidos no cumprimento contratual”.

Essa decisão do STJ demonstra o papel fundamental da jurisprudência na justa aplicação do Direito ao caso concreto, função que não passa exclusivamente pela legislação, mas por um conjunto sistemático que envolve a lei, a doutrina e os tribunais. Em razão disso – dentre outros fatores –, o advogado deve agregar ao seu trabalho a constante atualização nessas três frentes, fornecendo um serviço de qualidade e, principalmente, contribuindo para a realização da justiça. 

Em suma, não é o mero atraso no pagamento do seguro que autoriza a seguradora a não pagar a indenização prevista no contrato. É preciso ficar atento para a circunstância de que a empresa de seguros é obrigada a notificar o segurado do atraso.

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